Nota sobre a reabilitação dos sinos da Igreja Paroquial

sinos foto franco
Fotografia: Marcos Pinto (2017)

O conjunto sineiro da Igreja Paroquial – Igreja de Nossa Senhora da Conceição – da Paróquia de Nossa Senhora do Pópulo de Caldas da Rainha encontra-se instalado na torre poente. Constituído por quatro sinos, todos eles datados de 1956, têm sido tocados regularmente em três celebrações ao longo do ano, especificamente durante o canto solene do hino de Glória (Gloria in excelsis Deo) na Missa da Noite no Natal do Senhor (“Missa do Galo”), na Missa Vespertina da Ceia do Senhor (final de tarde de Quinta-feira Santa) e na Vigília Pascal na Noite Santa (noite do Sábado da Páscoa). O toque dos sinos noutras ocasiões é raro e depende sempre da autorização do pároco, em consonância com as orientações emanadas pela diocese ou pela conferência episcopal e em conformidade com a legislação.

Enquadramento histórico

A utilização dos sinos pela Igreja é uma tradição quase tão antiga quanto a publicação do Édito de Milão, no ano de 313, quando lhe foi reconhecido o direito de existir em liberdade.1 «É costume antigo convocar o povo cristão e adverti-lo dos principais acontecimentos da comunidade local por meio de algum sinal ou som. O toque dos sinos exprime de algum modo os sentimentos do povo de Deus, quando exulta ou chora, quando dá graças ou suplica, quando se reúne e manifesta o mistério da sua unidade em Cristo.»2 A Igreja também admite o toque dos sinos para outros fins profanos como o assinalar das horas do dia ou o toque a rebate no caso de incêndios.3 São colocados nas torres das igrejas para serem ouvidos ao longe e constituem ainda hoje elementos indispensáveis das igrejas paroquiais, segundo o costume. A título de exemplo, veja-se o caso tão nosso conhecido da Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, matriz da então vila das Caldas (cidade a partir de 1927) até à construção da nova igreja paroquial. Inicialmente construída como capela do hospital, houve a necessidade de se acrescentar uma torre sineira e uma pia baptismal no ano de 1500, com a criação de uma nova freguesia (paróquia) e como consequência da elevação do povoado à categoria de vila.4

Como é sabido, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição foi dedicada em 21 de Outubro de 1951, pelo Cardeal Cerejeira, com o estatuto de igreja paroquial mas ainda sem os sinos instalados nos campanários. No arquivo paroquial5 foi possível encontrar uma intensa troca de correspondência entre a paróquia e algumas empresas para suprir esta necessidade, a partir da segunda metade do ano de 1951 e a poucos meses da abertura da igreja. Após pedido da paróquia, chegaram propostas de várias fundições como a “Nova Lusitânia de Ermesinde”, “Fábrica de Sinos Rebelo da Silva” de Braga e “A Boa Construtora” de Almada e “Serafim da Silva Jerónimo” também de Braga. Denota-se através destas propostas uma preocupação comum entre os fabricantes em dotar a igreja com um carrilhão que pudesse tocar melodias típicas como o “A Treze de Maio”, “Avé de Lourdes” ou “Com minha Mãe estarei”, possível com apenas 8 notas em vez das 12 notas de uma escala cromática. Numa destas propostas é referida a necessidade de se abrirem as ventanas, que inicialmente encobriam o campanário de ambas as torres com o rotulado das tijoleiras, para melhor propagação das ondas sonoras e aludindo ao facto das torres serem consideradas baixas para uma cidade que já era relativamente grande. Surge também uma proposta de uma firma italiana sediada em Pádua, que se baseava num sistema radiofónico a ser instalado no campanário e que reproduziria o som de sinos com a garantia de ser audível num raio de até dois quilómetros. Em particular, a fundição de sinos “Serafim da Silva Jerónimo” dirige uma carta em Setembro de 1951 ao P. José Teodoro Marques da Silva (pároco entre 1944 e 1953) a dar conta do vasto leque de oferta disponível, com conjuntos de “4, 8, 13 e 25 notas accionados electricamente”, a partir de qualquer ponto predefinido na Igreja, “no mais moderno processo” existente e, “em combinação com uma casa francesa, com sinos que bamboam tal e qual os sinos normais”. Seguiram-se pedidos de informação de ambas as partes (especificação dos sinos, espaço disponível no campanário e orçamento) e deslocações a esta fundição em Braga. Com a proximidade da data de abertura da Igreja ao culto, a fundição propôs a venda de um carrilhão de 14 sinos, enviando os 4 sinos maiores em primeiro lugar e a tempo do rito da dedicação, após “moldagem, cozedura e fundição das asas”, o que implicava sacrificar clientes que estavam à frente na lista de espera, e fabricando os restantes sinos posteriormente. Esta solução não foi avante, muito possivelmente devido ao esforço financeiro adicional que implicava ou ao prazo demasiado curto para uma decisão ponderada, tendo em conta a existência de propostas de fábricas concorrentes. Em 1953 há uma nova tentativa de chegar a acordo mas, com a transferência do P. Teodoro para a Paróquia de S. João de Deus em Lisboa, o processo de aquisição dos sinos é interrompido. Pouco se sabe após esta data ficando apenas a certeza de que os sinos foram fabricados pela fundição “Serafim da Silva Jerónimo” em 1956, data inscrita nos mesmos, já com um novo pároco à frente da paróquia, o P. Martinho Gonçalves Mourão (pároco entre 1954 e 1963).

Breve descrição do conjunto sineiro

Foram instalados quatro sinos, que variam entre 80 e 600 kg de peso e entre 50 cm e 100 cm de diâmetro, em valores aproximados. Enquanto instrumento musical, apesar de limitado a quatro notas, correspondem a cada sino as notas Sol, Si e Ré, sendo a primeira duplicada na oitava superior. O sino maior possui um cabeçalho que actua como contrapeso o que possibilita o bamboar (oscilação pendular característica dos sinos), com o badalo a ser projectado contra o corpo interior do sino por acção da gravidade.6 Os três sinos restantes foram fixados em vigas e o seu toque é realizado por meio de simples badaladas. O sino maior também se distingue dos restantes por apresentar uma gravura em alto-relevo de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, sino este que lhe é então dedicado na igreja que a tem por orago.

Estado de conservação dos sinos

Nos últimos anos os sinos têm sofrido um desgaste acentuado, facilmente visível através da corrosão das vigas e suportes. Em Junho de 2017 foram tomadas diligências no sentido de requerer uma avaliação técnica especializada ao conjunto sineiro e à estrutura que o suporta, de modo a tomar uma decisão quanto ao tipo de reparação mais apropriado.

Com a vistoria por parte de um técnico em Julho de 2017 foi possível concluir, e em alguns casos confirmar, que as vigas e os suportes dos sinos apresentavam problemas graves de corrosão, que o sino maior, apesar de estar em boas condições, encontrava-se mal posicionado na estrutura de suporte, situação que provocava um desgaste acrescido, e que um dos sinos menores estava danificado. Com esta avaliação ficou decidida a inclusão do restauro e recuperação dos sinos na lista das obras paroquiais a realizar, obras que dependem de donativos dos paroquianos que, com a sua generosidade, têm permitido beneficiar as condições tanto da Igreja Paroquial como do Centro Paroquial anexo.

Em Setembro de 2018 foi realizada uma nova avaliação e verificou-se que o estado dos sinos se tinha deteriorado ainda mais, a ponto de estar em causa a queda iminente do sino maior, cuja asa já se encontrava partida, bem como a possível queda dos restantes sinos devido à corrosão nas viga e suportes. Tendo em conta o perigo que constitui e salvaguardando o património não só material mas cultual e cultural, por também ser do interesse da comunidade local que tem manifestado o seu apreço e apoio, a Paróquia de Caldas da Rainha decidiu, com carácter de urgência, reabilitar o conjunto sineiro existente.

Reabilitação do conjunto sineiro

A intervenção iniciou-se no dia 08 de Novembro com a desmontagem dos sinos e das vigas de suporte e prosseguiu com o transporte para a fundição da empresa “Serafim da Silva Jerónimo & Filhos, Lda.”, sediada em Braga. Convém referir que os sinos retornam à casa onde foram fabricados originalmente em 1956. A reabilitação consistirá nas acções que se indicam:

  • Substituição das vigas e suportes por outros em aço inoxidável;
  • Reparação da asa do sino maior;
  • Substituição do sino danificado por um novo com as mesmas especificações;
  • Instalação de um sistema automatizado;

O sistema automatizado irá permitir que o toque dos sinos seja efectuado em condições mais favoráveis à sua conservação já que todos os parâmetros da mecanização serão afinados, de modo a manterem-se constantes e uniformes ao longo do tempo, reduzindo o desgaste (p. ex. ataque do martelo). Mais ainda, irá permitir que o sino maior seja accionado por uma corrente do motor de bamboar, podendo passar a ser tocado por via da oscilação pendular, movimento próprio deste tipo de sino e que há muitos anos estava impossibilitado de o realizar. Contudo, não se deve menosprezar o risco inerente à presença de pessoas no campanário, atendendo à inexistência de protecções laterais tanto nas ventanas como no desnível na zona de acesso, e com a movimentação de um sino de 600 kg num espaço relativamente exíguo que requer uma atenção redobrada e alguma experiência. O bamboar manual de um único sino só por si exigiria que fosse realizado por dois operadores6 devidamente habilitados para o efeito, do ponto de vista técnico, da destreza e da capacidade física, e idealmente realizado sempre pelos mesmos. Nestas condições, a automatização do toque dos sinos associada à restrição do acesso ao campanário vem melhorar substancialmente a preservação dos sinos e elimina o risco de acidentes, tendência que tem sido seguida em muitas igrejas paroquiais, catedrais e santuários.

Após as intervenções programadas e o fabrico do novo sino na fundição, o conjunto sineiro regressa à torre e proceder-se-á aos ajustes necessários conforme o plano delineado. O toque de horas poderá ser agora uma realidade, apesar de constituírem meios puramente acessórios e subsidiários à vida da Igreja3, desde que seja em benefício e proveito da comunidade local e de acordo com as orientações do Patriarcado de Lisboa e da Conferência Episcopal Portuguesa, que já consubstanciam a legislação em vigor.7 Esta reabilitação acaba também por concretizar, decorridos 67 anos, a aspiração inicial do P. Teodoro em instalar um conjunto sineiro automatizado e accionado electricamente.

Angariação de fundos

Como já foi referido, o Fundo das Obras Paroquiais está a ser destinado para as despesas com a reabilitação dos sinos. Para este fundo contribuem várias campanhas como por exemplo o Magusto Paroquial que irá decorrer no próximo dia 17 de Novembro, o Arraial dos Santos Populares (em Junho), Sorteios e Quermesses ao longo do ano. Aceitam-se também donativos para este fim, que podem ser entregues no Cartório Paroquial.
Agradecemos antecipadamente a ajuda de todos para que os sinos voltem a ressoar na nossa cidade, com todo o seu esplendor e alegria.

  • Ao longo do processo de reabilitação iremos registar a evolução com fotografias que serão incluídas num álbum (clique aqui).

Jorge Rodrigues
Responsável pela Comunicação
14 de Novembro de 2018

 

1 “A Beleza da Liturgia”, Secretariado Nacional de Liturgia.
2 “Ritual da Bênção dos Sinos”, Secretariado Nacional de Liturgia
3 Decreto com “Orientações sobre o uso dos sinos e carrilhões mecânicos” de 25 de Novembro de 1991, em Vida Católica, Nº18 da 2ª Série (Órgão Oficial do Patriarcado de Lisboa).
4 “A Igreja de Nossa Senhora do Pópulo das Caldas da Rainha”, José Custódio Vieira da Silva, 1985.
5 “Correspondência sobre a construção da nova Igreja 1944-1953”, P. José Teodoro Marques da Silva.
6 “Comportamento dinâmico de uma torre sineira – Igreja de Santo António das Antas”, Paulo Miguel Monteiro Baião, Agosto 2010.
7 Carta da Vigararia Geral sobre “O uso dos sinos e dos sistemas de amplificação sonora ligados aos relógios paroquiais” de 17 de Janeiro de 2002, em Vida Católica, Nº10 da 3ª Série, (Órgão Oficial do Patriarcado de Lisboa).